quarta-feira, 26 de agosto de 2009

As bases de um compromisso missionário efetivo (Atos 13.1-3)



“Agradeço a Deus todos os caminhos por onde me levou e gostaria de estar exatamente onde estou,
em nenhum outro lugar, pois este é, creio, meu campo de trabalho”.2

Simonton deixou essas palavras em seu Diário no dia 31/12/1859. Fica claro que, para ele, estar no Brasil era motivo de gratidão, a certeza da vontade de Deus para a sua vida.

Às vezes, nós presbiterianos desprezamos o gênio de Simonton e seus companheiros, achando que a história missionária de nossa igreja é uma história de pequenos vultos. Não é bem assim. Simonton era um homem dotado de maturidade, talento, excelente preparo acadêmico e consagrado a Deus e à causa do evangelho. Ele - e tantos outros missionários norte-americanos - veio trazer a Palavra de Deus ao Brasil, ao custo da própria vida. No seu país, havia recebido vários e insistentes convites de boas igrejas a fim de por lá fazer brilhante carreira pastoral; visto ser bom e fiel pregador, formado sob a disciplina do renomado seminário de Princeton e familiarmente ligado à tradição de gente consagrada ao evangelho (seu sogro pastoreou uma única igreja por 56 anos). Mas ele veio para o Brasil, aceitando o desafio de fundar a Igreja Presbiteriana.

A igreja de Antioquia não nasceu de uma estratégia missionária planejada, mas como resultado da pregação espontânea de um grupo de cristãos vindos de fora (At 11.20), proporcionando um crescimento maciço do evangelho; o que rendeu à igreja o título pejorativo de "cristãos", "pequenos cristos" ou "gente de Cristo".3

Atos 13 abre a terceira grande seção do programa missionário mundial desenvolvido por Lucas (At 1.8): pregar o evangelho tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, indo atéé)os confins da terra. Notem a simultaneidade: Tanto, como e até.

Esse texto se reveste de especial importância porque é o primeiro relato de uma estratégia planejada de Missões, partindo de uma igreja local. Lucas revela as bases de um compromisso missionário efetivo para as nossas igrejas locais, visando a sua contribuição no crescimento da igreja como um todo. A história de Simonton e seus companheiros corrobora com essa verdade bíblica. Chamo a atenção para quatro princípios.

I. UMA BASE MISSIONÁRIA = ANTIOQUIA [v.1]

Uma base é o local de onde se sai e para onde se volta. Visto dessa maneira, torna-se um referencial, porque os missionários vão levar para fora e para longe o que se faz aqui; não para fundar igrejas diferentes ou anunciar um evangelho diferente, mas para anunciar o único Evangelho de Cristo. Muitos missionários partem com sonhos megalomaníacos de fundarem uma grande denominação independente e autóctone, depois retomam frustrados em função de não terem alcançado seu sonho particular e não de Cristo.

O desafio para a igreja local é manter-se como firme referencial para os missionários que envia; seja na manutenção de seu sustento, seja na manutenção das convicções pelas quais os enviou. O desafio dos missionários é manterem-se fiéis aos valores pelos quais são enviados e os quais vão anunciar noutras terras. A igreja fundada por Simonton no Brasil em 1862 era ligada à sua igreja de origem. Não existe igreja autóctone no seu nascimento!

II. UMA LIDERANÇA ATUANTE [v.1]

Dos cinco pastores da igreja, dois foram separados. Homens com ministério ativo na igreja local. Peças importantes no bom funcionamento do trabalho. Lucas descreve como o melhor da igreja é separado pelo próprio Deus para a obra missionária. Isso deveria refletir na forma como treinamos e enviamos nossos missionários para os campos mais distantes e tanto mais difíceis. Pela pressa do envio, poderíamos achar suficiente que um treinamento resumido lhes proporcionasse o mínimo necessário no campo, mas a igreja de Antioquia não fez assim. E Lucas deixa claro que ela não o fez por causa de uma ação estratégica, especial e soberana do Espírito Santo.

Embora Simonton tenha vindo recém-ordenado para o Brasil, era "dotado de maturidade, talento, superior preparo acadêmico e completa devoção de corpo e alma ao salvador e à sua causa."4 Francis Schneider o c1assincou como "o mais talentoso, o de melhor formação acadêmica, o mais bem informado de nosso grupo; mestre da língua, dotado de tato e prudência excepcionais, tanto para planejar quanto para executar".5

Ele chegou aqui em 12 de agosto de 1859. Seu primeiro trabalho em português foi uma aula de Escola Dominical (22/04/1860). Quando outros achavam que a missão deveria mudar de cidade, insistiu na fundação da primeira Igreja Presbiteriana no Rio de Janeiro (12/01/1862). Crendo que a palavra escrita caminha mais rápido que a pregação nos templos, criou o primeiro jornal evangélico do país: O "Imprensa Evangélica" (10/1864). Auxiliado por outros que chegaram depois, viu nascer as igrejas de São Paulo e Brotas, e arquitetou com eles a organização do primeiro presbitério e a ordenação do primeiro pastor genuinamente brasileiro, José Manoel da Conceição (16/12/1865). Crendo na potencial idade do crescimento da igreja brasileira, fundou o nosso primeiro Seminário (1867). Ciente de que sem educação não se aprende a ler para ler a Bíblia, fundou uma escola paroquial (1867). Mesmo sabendo das obstruções legais ao avanço da obra protestante no Brasil, planejou a construção de um templo, que não viu acontecer, pois o Senhor o chamou à sua presença antes (faleceu em 09/12/1867) e o templo só começou a ser erguido em 1873, por uma intervenção especial do Imperador D. Pedro II.·Será que uma pessoa que fez tudo isso, em apenas nove anos, pode ser considerado um medíocre?

Deus sempre separa o melhor para missões. Simonton aprendeu cedo a amar o Brasil; que naquele tempo não era melhor que o Brasil de hoje. As lutas da igreja daquele tempo não eram mais fáceis que as de hoje. Resta saber se o amor dos crentes de hoje pelo Brasil e por missões é do mesmo calibre do amor dos crentes daquela época. Poderíamos facilmente aumentar esse relato com as vidas de Alexander Blackford, que viu o valor estratégico de São Paulo para o sucesso da Missão no Brasil; George W. Butler, grande médico e missionário de Garanhus-PE; John Boyle, desbravador do interior do Brasil, o nosso Hudson Taylor. Os chamados três valentes de Davi: George Chamberlain, fundador do Mackenzie; Robert Lennington, que evangelizou o interior de São Paulo no lombo de um cavalo e João Fernandes Dagama, principal articulador do binômio "escola ao lado da igreja".

Suas vidas confirmam o ensino bíblico de que as bases de um compromisso missionário efetivo e eficaz são firmadas quando praticamos o envio de liderança experimentada ao campo, e não de neófitos para uma experiência de tentativa e erro. Eles não vão experimentar missões, eles vão fazer missões! Porque a missão não é deles, mas é a missão de Deus através deles!

III. SUBMISSÃO AO ESPÍRITO SANTO [v.2]

Ressalta-se o papel do Espírito Santo em Missões. Ele escolhe e envia! Eles serviam a Cristo no culto e com o culto. A oração ao lado do ensino e da pregação (profecia) eram as principais características do culto cristão. Logo, a obra missionária está inserida dentro do espectro da obediência da igreja ao Senhor. Quem rejeita esse tema no cronograma do ensino da igreja corre o risco de estar desobedecendo a Deus!
O Espírito continua falando à sua igreja. Muitos querem monopolizar a sua ação na igreja determinando como ele deve falar. Porém, o Espírito Santo jamais entrará em contradição consigo mesmo e sempre falará de acordo com o que já falou nas Escrituras. Se não formos uma igreja comprometida com o equilíbrio entre o Espírito Santo e sua Palavra que santifica (Jo 17.17), jamais faremos missões de forma eficaz, porque o Espírito não sopra ventos de doutrina, mas a objetividade segura de sua vontade já anunciada nas Escrituras.

No original, a palavra "chamado" está no perfeito médio, ou seja, o Espírito os chama para si. O chamado tem a ver com toda a vida, com a razão de toda existência. Mas o que encanta é que o chamado nos conduz na direção do Espírito, que não se despede de nós, indo pessoalmente conosco, conduzindo-nos pelo caminho. O chamado tem implicações tanto para quem vai como para quem nca. Quem nca sustenta. Quem vai, age em nome de quem o sustenta. Sustentar envolve sacrifício e consagração; agir em nome de quem sustenta implica lealdade. Em ambos os casos deve-se submissão ao Espírito.

IV. ENVIO COM AUTORIDADES [v.3]


Ao enviar, a igreja jejua, ora e impõe as mãos. Toda a igreja jejua (v.3). A prática do jejum nos ensina a renunciar prazeres e a praticar autodisciplina. (1) Jejuamos para nos humilhar na presença de Deus por causa de nossos pecados (SI 5.13,ls 58.3,5); (2) exercer autocontrole; (3) partilhar com os mais necessitados (Jó 31.16s); (4) e nos submetermos a Deus e recebermos orientação (Ex 24.18; Ed 8.21).

Missões sem oração é naufrágio espiritual. Temos de aprender a interceder pelos missionários; nominalmente, um por um. Para que a Palavra se propague por meio deles e sejam livres dos homens perversos e maus, uma vez que a fé não é de todos (2 Ts 3.1-5).

A imposição de mãos não se trata de uma ordenação ao sagrado ministério ou de uma nomeação apostólica mas a manifestação de um compromisso público de bênção no qual a igreja se associa com eles recomendando-os à graça de Deus.

Concluindo, pretendo inculcar alguns conceitos. Que cada igreja local se comprometa com Missões cedo na sua vida; assuma compromissos missionários duráveis, simultâneos e integrais aonde Deus quer alcançar.

Lucas expôs detalhes porque entendeu ser importante o que fizeram. A partir desse primeiro envio, Antioquia se tornou o grande centro missionário do Novo Testamento, o quartel general de Paulo e o primeiro modelo missionário da Igreja.

Portanto, em nome de Deus, somos convocados a ter o coração na obra missionária de Cristo, separando o nosso melhor para missões e sustentando a obra a fim de que o nome de Cristo seja anunciado entre as nações. A história da IPB tem uma nuvem de testemunhas que deram suas vidas para ser assim. Agora é a nossa vez!

Rev. Hélio de Oliveira Silva 1


1. Rev. Hélio de Oliveira Silva, Pastor-auxiliar de Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia e membro do Conselho Missionário. Mestre em Teologia Histórica (CPPGAJ) e professor de História da IPB e do Pensamento Cristão no SPBC há 10 anos.
2. Ashbel G. Simonton, Diário de Simonton, 2ª Ed., 31/12/1959, p. 136.
3. Howard Marshall, Atos, Introdução e Comentário, Vida Nova/Mundo Cristão, p. 191.
4. John C. Lowrie. Em: O Diário de Simonton, Apêndice I, p. 175.
5. IBID, p. 177. Itálicos meus.

2 comentários:

  1. Muito bom. Confesso que não sabia metade do que contou sobre Simonton, o que é um absurdo para uma presbiteriana. Muito interessante suas colocações sobre missões. Deus o abençõe. Abraço

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  2. Legal ver meu artio aqui.
    Os irmãos poderão encontrar outros sobre missões no meu blog.
    www.revhelio.blogspot.com
    abs em Cristo

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